Jovem Orquestra Portuguesa @Young Euro Classic 2022 – Crítica Der Tagesspiegel

O vento, o terreno rebento


No Festival Young Euro Classic, a Jovem Orquestra Portuguesa contou-nos de como o som é gerado. E enfeitiçou com canto ‘a cappella’.

- CHRISTIANE PEITZ


Tradução do alemão: Bernardo Mariano


Image

O ‘tambourine man’. A Jovem Orquestra Portuguesa viu-se reforçada por elementos da Orquestra dos Navegadores (ON).
Foto: MUTESOUENIR/KAI BIENERT


A orquestra murmura. A cappella, a 4 vozes, a peça coral ‘Locus iste’, de Anton Bruckner: um momento surreal – algo assim é raro num concerto sinfónico, não apenas no Young Euro Classic. Os 70 elementos da Jovem Orquestra Portuguesa (JOP) entoam o seu número extra-programa de modo imaculado, com uma delicadeza e interioridade, como se fosse o canto a sua segunda ‘praia’ musical.

Logo na abertura, com o obrigatório ‘Hino do Festival’, de Iván Fischer, os portugueses tinham surpreendido o público: a traiçoeira fanfarra, habitualmente dada com gosto pelos metais, é em vez disso confiada aos instrumentos de corda, sendo que, na secção central, o uso da técnica do ‘spiccato’, fazendo os arcos ressaltar sobre as cordas, produz um som fascinante.

Como é afinal gerado o som? A pergunta figura no centro do programa, no qual, à ‘Representação do Caos’, d’‘A Criação’, de Haydn, se seguiu a estreia absoluta de ‘How to Plant a Sound’, da compositora Marta Domingues, de apenas 22 anos, e a massiva ‘Nona Sinfonia’ de Bruckner.

A JOP, presente pela 4.ª vez neste Festival de orquestras jovens, é conhecida pelo seu empenho social. Em 2019, apresentara-se aqui em Berlim em conjunto com pessoas com deficiência; desta feita, trouxe cinco elementos da Orquestra dos Navegadores, um projecto para crianças e jovens socialmente desfavorecidos.

Na obra em estreia, eles dispõem-se por entre os instrumentistas da orquestra, com t-shirts de cores berrantes, empunhando pandeireta, maracas, escovas, um molho de chaves... Se o trecho de Haydn acerca do “caldo primordial” – que contou com a direcção do maestro-assistente Henrique Constância, que depois tomaria o seu lugar entre os violoncelos – havia soado demasiado pouco “amorfo” (ou seja: demasiado limpo e arrumado), a JOP, agora, em conjunto com os ‘miúdos’, ensina-nos o espanto.

Image

Pedro Carneiro anima a Jovem Orquestra Portuguesa com ímpeto infatigável - Foto: MUTESOUENIR/KAI BIENERT


Ouve-se gotejar, agitar e remexer por ali; os contrabaixos estrondeiam com os arcos sob o cavalete; as cordas, com os seus ‘glissandi’ e arcos rodopiantes, fornecem o ‘efeito de estranhamento’. O som é gerado por meio de fricção, oscilação, compressão do ar. É algo assim como se o vento trouxesse consigo a música numa rede de arrasto. Uma obra inebriante.

A Orquestra foi fundada em 2010 por Pedro Carneiro, cuja técnica de direcção trai a sua segunda actividade como percussionista. Um dançarino sobre o estrado, que anima os elementos da JOP, que contam entre 14 e 24 anos, com punho vibrante e ímpeto infatigável.
Daí, também, que se desejasse por vezes na ‘Nona’ de Bruckner níveis dinâmicos mais diferenciados e blocos de acordes de contorno menos anguloso. Bonito, o intervalo de 9.ª ligeiramente esfumado no início do ‘Adagio’, óptimos também os finais excepcionalmente homogéneos, que transformaram a sala do Konzerthaus, qual câmara de ressonância, num todo reverberante. Tal serviu de ‘ressarcimento’ para as várias intervenções das tubas wagnerianas tenor com um som sem a limpeza desejável. Mas trata-se, afinal de contas, de uma peça de extrema dificuldade. E porque então não hão-de os jovens músicos almejar as estrelas?