Crítica Rádio Berlin-Brandenburg

Image

O ‘tambourine man’. A Jovem Orquestra Portuguesa viu-se reforçada por elementos da Orquestra dos Navegadores (ON).
Foto: MUTESOUENIR/KAI BIENERT


...E a ele, Pedro Carneiro, bem gostaria eu de o ver vir aqui a Berlim como maestro-convidado dirigir a Sinfónica Alemã de Berlim (DSO) ou quiçá mesmo a Filarmónica – e seria engraçado ver o que ele nos reservaria então…
Clemens Goldberg

Jornalista (J) – As melhores orquestras sinfónicas de jovens de todo o mundo de visita a Berlim – é o Young Euro Classic, o festival internacional de música. A edição deste ano decorre já desde há 3 semanas e ontem à noite a Jovem Orquestra Portuguesa – a orquestra de jovens nacional de Portugal – deu um concerto no Konzerthaus. No programa, a ‘Nona Sinfonia’ de Bruckner – ó, meu Deus! – a última, a sinfonia inacabada; e um excerto da oratória ‘A Criação’, de Joseph Haydn e, a somar a tudo isto, ainda uma estreia absoluta: uma obra da ainda muito jovem compositora Marta Domingues, de Lisboa [na verdade, natural de Braga]. Clemens Goldberg assistiu ao concerto – Bom dia, Clemens, saudações!

Clemens Goldberg (CG) – Bom dia!

J – Esta orquestra – a orquestra de jovens nacional de Portugal – teve algo que te chamasse a atenção, mostraram alguma coisa de especial?

CG – Eu já os ouvira na edição de 2019 e então já me tinham causado uma impressão muito boa e esse foi igualmente o caso este ano, posso desde já afirmar. Muita seriedade – e muito jovens, de resto, o que não é de todo um dado adquirido, nem num evento destes, pois com frequência estas orquestras de jovens são compostas por músicos entre os 22 e os 25 anos, ou seja, que estão a terminar os seus estudos ou já jovens profissionais; e no caso da JOP via-se realmente muita gente muito jovem em palco. Mas uma grande seriedade, uma grande concentração e, não obstante, também com uma componente de prazer e diversão. Logo pelo modo como foi elaborado o programa, se percebiam os vasos comunicantes entre as obras: a partir do Caos primordial – mas o meio não vou divulgar já! (risos) – até à forma sinfónica de grande fôlego, sendo que no caso da ‘Nona’, ela também começa um pouco a partir do caos, aliás. E então percebia-
-se de facto que tudo isto fora pensado por eles, que houvera ali reflexão. E a culminar tudo isto, mostraram-nos ainda um projecto social que desenvolvem com crianças e jovens de meio socialmente desfavorecido em Portugal – e cinco desses jovens participaram na apresentação da obra em estreia.

J – Muito bem. Então, e se me permites que agora divulgue o programa (risos): da oratória sobre a Criação de Joseph Haydn foi tocado o Prelúdio, ou seja, o Caos que precedeu à acção criadora de Deus. Mas é ainda assim uma música que não deve soar caótica! Como se deu a JOP com a interpretação deste trecho?

CG – Bem, também aqui houve uma particularidade, nomeadamente: a direcção coube ao violoncelo solista da Orquestra, que cumpriu muitíssimo bem com o seu encargo – ele chama-se Henrique Constância e já deve vir fazendo um percurso como maestro. Ele, na realidade, abordou a obra um pouco como se estivesse à frente de uma orquestra de música antiga; os coloridos foram todos bem misturados e deu para perceber como em Haydn também o Caos é um assunto tratado com um incrível cuidado (sorrisos).

J – Da obra em estreia desta novíssima compositora Marta Domingues, só 22 anos, já fizeste uma pequena alusão: a obra chama-se ‘How to Plant a Sound’ – como se planta um som. E como se planta/cultiva então um som, Clemens?

CG – Sim, com ruídos muito variados, muito restolhar, muita percussão, os cinco jovens do projecto social, que cumpriram a sua missão com enorme seriedade, tinham ferrinhos, maracas, lixa, chaves, e um deles também se ocupava do bombo. Mas eles em todo o caso tinham, como todos os outros, de estar atentos às suas entradas e intervenções, claro, e o facto é que nos sentimos realmente transportados para uma floresta tropical. Não vou dizer que seja uma peça que ficará para a posteridade, mas também a autora tem só 22 anos, mas foi patente que todos os músicos tiraram um enorme prazer desta obra. Foi por assim dizer o caminho para a Natureza após a Criação vista por Haydn.

J – Clemens, as tuas palavras quase fazem parecer que este foi, pelo menos a teu ver, o ponto alto da noite, e eu pensava… - (CG) Mas não, não, de modo algum! – (J) Ah, então sempre tinha razão, pois convergimos para a ‘Nona’ de Anton Bruckner, certo? Tocada por uma orquestra juvenil. Hmm… Como é que eles se saíram de tal empresa??

CG – Aqui, eles podiam pedir meças a qualquer orquestra profissional – até à Filarmónica de Berlim! É que foi mesmo incrivelmente impressionante.

O Pedro Carneiro tem uma forma muito inspiradora de conduzir esta orquestra, quase como se fosse um encantador de serpentes (sorrisos), mas apesar disso os músicos não se comportaram como coelhinhos amedrontados diante deste encantador, pelo contrário notou-se que, diante de uma linguagem que para eles será certamente estranha e peculiar, eles fruíram de todas as fibras desta música e isso eu achei de certa forma curioso. E o que fui observando foi que houve certamente aquele Bruckner majestoso, com aquelas fanfarras ‘ff’ dos metais, mas houve sempre por sobre isso um pensamento interpretativo; mas depois, quando vem o Bruckner mais delicado e suave, esse Bruckner das linhas ‘pianissimi’, afectuosas e suaves, aí também eles as souberam transmitir de forma muito bela. E não foi só uma constatação de que todo o mínimo detalhe fora trabalhado, mas também a de que nós, ouvintes, éramos transportados ao longo desta obra sentindo-nos (espiritualmente) preenchidos – e isto, muitas orquestras profissionais não alcançam, quando, p.ex., têm de descrever arcos e parágrafos musicais tão vastos como os de Bruckner – o que torna tanto mais espantoso que uma orquestra juvenil o tenha conseguido!

J – Queria perguntar-te justamente isso. Eles serão decerto todos músicos de enorme talento e que tiveram uma óptima formação, mas como conseguem alcançar tanto – e logo com uma obra como a ‘Nona’ de Bruckner??

CG – Eu diria…Ora bem, por um lado eles puderam permitir-se…ou seja, eles podem dedicar muito mais tempo a esta obra, na fase em que estão [em comparação com músicos de orquestras profissionais], é um grande acontecimento para eles e eles empenharam-se realmente em transmitir ao público a essência da obra – e isto é algo que nem sempre se nota nas orquestras profissionais, por uma certa rotina que ali se instala. E quando se percebe [como com a JOP] que existe ali um gosto pela descoberta e depois também aquela motivação, aquele brio de quererem mostrar que são capazes de chegar a Berlim e fazer algo ao nível da excelência! E depois naturalmente o maestro, que foi óptimo e que parece ter um fio invisível a ligá-lo a cada um dos músicos.

E a ele, Pedro Carneiro, bem gostaria eu de o ver vir aqui a Berlim como maestro-convidado dirigir a Sinfónica Alemã de Berlim (DSO) ou quiçá mesmo a Filarmónica – e seria engraçado ver o que ele nos reservaria então…

Em suma, uma experiência auditiva realmente muito impressionante. E eu, que nem sou um bruckneriano convicto, quando alguém consegue suscitar a minha atenção mais concentrada, como a JOP o fez, então é porque certamente não foi nada mau! (risos)

J – Obrigado, Clemens Goldberg, e continuação de bom dia! – (CG) Obrigado! – (J) A Jovem Orquestra Portuguesa, a orquestra jovem nacional de Portugal, a propósito do concerto que deu ontem no âmbito do Young Euro Classic. De resto, o canal ARTE-Concert gravou este concerto e ele está já na Mediateca do ARTE, pronto a ser visto e ouvido:
https://www.arte.tv/de/videos/109723-002-A/jovem-orquestra-portuguesa/


Fonte:

RBB/Rundfunk Berlin-Brandenburg  - Gespräch m/ dem Kritiker Clemens Goldberg

Tradução do alemão: Bernardo Mariano