Consciência Corporal: do Futuro


© Patrícia Andrade

Teresa Simas, é gestora artística da OCP/JOP e responsável pelo planeamento do trabalho de consciência corporal das duas orquestras.

O “Body Awareness” (ou simplesmente, consciência corporal) é um trabalho pioneiro a nível mundial, cuja prática na OCP tem sido fundamental para a construção do projeto artístico. Agora, este trabalho é levado à JOP. A OCP/JOP acredita que esta consciência pode mudar todo a processo e resultado artístico.

Abaixo, dois textos que ajudarão a compreender melhor todo o processo.

Técnica Corporal ou Aquecimento Físico? Alinhamento Corporal ou Método Corretivo?Teresa Simas
Body awareness (consciência corporal) inclui todos estes segmentos da formação e desenvolvimento do corpo de cada indivíduo, mas, neste caso, focado na relação de fusão do músico com o seu instrumento.

É sabido que o tema da postura corporal mudou de paradigma nos últimos 30 anos em áreas como a dança e o desporto, dando origem às técnicas do bem-estar.  Neste período de tempo, surgiram diversas abordagens técnicas, como a Técnica Alexander ou Feldenkrais, entre outras, em universidades de música como a Guildhall School, que levou alguns músicos a repensarem a sua técnica de instrumento.

Na OCP e na JOP, antes do ensaio matinal, realizamos uma aula de alinhamento de respiração e extensão do corpo. Dá-se início a um contacto corporal introspectivo, com  o chão e o contraponto da verticalidade, a relação do peso com a gravidade e a conquista do espaço.

A  introdução desta rotina no quotidiano dos músicos da OCP tem por objetivo não só aumentar a sua qualidade de vida, mas sobretudo de os consciencializar para a importância da relação com o próprio corpo e deste com o instrumento que tocam.

Para a introdução deste momento de aquecimento físico consciente, como novo modelo de concentração dos músicos, convidámos o professor/bailarino Pedro Mendes.

Lançámos-lhe o desafio de conquistar a atenção dos músicos para a importância deste novo modelo que a OCP criou e que defende influenciar o som da nossa orquestra: e que agora leva à JOP.

O contacto com a MúsicaTeresa Simas
O contacto com a música teve um grande impacto na minha formação e nas minhas escolhas profissionais. Paralelamente ao ensino da dança (a minha área principal de pesquisa), estudei formação musical com o estudo do piano e de história, tanto na escola de dança em Kiev, como no Instituto de Artes Dramáticas GITIS em Moscovo.

Acompanhei, como ouvinte as aulas do professor de piano Alexandre Alexeevich Alexandrov. Este encontro mudou a minha percepção da arte em geral e da música da dança, em especial. Alexandrov foi professor do Instituto de GNESIN, em Moscovo, maestro e um instrumentista extraordinário de música barroca. Segui-o nos cursos de verão da cidade natal de Rachmaninov, em Tambov, onde Alexandrov proferiu palestras interessantíssimas.

Este professor, a certa altura, dedicou-se inteiramente ao ensino e transformou o ensino do piano em algo mais que uma técnica a ser apenas reproduzida, mas uma técnica que se transformava em algo que transcendia o paradigma de tocar bem, tocar mal, tocar rápido, tocar lento, ler a partitura, interpretar o compositor. Posso traduzi-lo como o encontro de quem se descobre, em primeiro lugar, depois o segue caminho até ao encontro com o compositor e até à obra final. O instrumentista na relação com toda esta complexidade num caminho revelado na da simplicidade da escuta e de um instrumento que viabiliza este diálogo.

A fisicalidade que imprimia na poesia da obra, e de que falava ao ensinar o instrumento, no diálogo com o ouvinte, tal como o peso do corpo, o seu equilíbrio no toque e na intensidade, eram os factores fundamentais na interpretação da obra no seu todo. Assim como, a entrega de um músico ao seu instrumento como a de um atleta ao movimento, sendo que o gesto está implícito em ambos. Alexandrov dizia, estou sentado, mas não estou sentado: todo eu entro dentro do piano. A fisicalidade, a distância entre o corpo e o intrumento como um todo numa só estrutura biomecânica. O desafio que entregava aos músicos que possam interessar-se era: “que imagem tens de ti como um corpo físico no espaço e como ouves a música que fazes na resposta a esse corpo?” Entenda-se aqui o corpo como corpo-mente. Quando conheci o Pedro Carneiro iniciámos um viagem juntos acerca deste tema. O Pedro Carneiro toca um instrumento pouco ou nada ergonómico (como grande parte dos instrumentos) e receava as lesões físicas, para além de ter uma enérgica vontade de evoluir.

As lesões são um risco muito presente no ensino da música. Os casos de patologias graves que impedem os músicos de prosseguir as suas carreiras é chocante e triste. As patologias que impedem a progressão a desistência prematura, as limitações técnicas entre outras, destacam-se portanto como importantes assuntos de reflexão.

Em Portugal, a postura física dos músicos é de um modo geral frágil. Quando fundámos a OCP um dos bonús que quisemos oferecer aos músicos foi precisamente ajudá-los a ultrapassar algumas das patologias (dores, posturas incorretas, etc.), e assim despertar novos caminhos para que a sua música continue a florescer.

Existem muitos estudos científicos em universidades por todo o mundo acerca das patologias dos músicos. Estes estudos estão ligados à fisioterapia e à ortopedia, contudo seria muito interessante trazê-los para o ensino da música. No fundo são técnicas de bem estar físico, existem muitas; desde a Ioga, ao Feldenkrais e ao Alexander Technique.

O body awareness como Nancy Zeltsman lhe chamou, aquando a sua visita a Portugal, não é mais que isso mesmo – consciência do corpo. Que no caso da OCP e neste paradigma, pretende o acordar do corpo, despertar emoções através de exercícios de alinhamento esquelético, da extensão da cadeira muscular posterior, de alongamentos básicos articulares e de posturas de compensação à posição de sentado, de pé e de suspensão da cintura escapular a que os músicos estão expostos muitas horas. Este texto é apenas um resumo de uma pesquisa e uma proposta que pode sobretudo despertar o interesse e curiosidade de cada músico na sua rotina.